segunda-feira, julho 26, 2010

Os vampiros (Francisco Queiroz)

“Eles andam aí. Os vampiros. Estão por todo o lado!”, gritava o homem esbaforido a entrar de rompante no café. Eu folheava os jornais e bebia café, apenas desassossegado com as notícias do mundo, numa manhã de sábado soalheira. “Eles andam aí. Por toda a parte”. E os clientes expectantes olhavam-no. Apenas um casal no fundo da sala continuava indiferente ao arauto dos vampiros, demasiado alheado dos outros. Ele tocando os dedos dela como se os beijasse com os seus e parecendo que os contava, na procura de qualquer imperfeição que lhe parecia impossível. Ela sorria. “Eles andam aí”, repetia o homem. E o dono do estabelecimento interferiu. “Claro. Estão na moda. Não há canal de televisão que não tenha agora uma série de vampiros”. “É lá isso o que eu estou para aqui a pregar! Isso são filmes. Esses vampiros são inofensivos. Refiro-me aos outros”. E os clientes impacientavam-se agora que a hipótese aventada pelo dono do café e afinal partilhada por todos fora rejeitada. De que pregava o homem afinal?
“De vampiros. Mas dos verdadeiros. Eles voltaram”. “Aqui há caso de psiquiatria”, parecia ler-se no rosto de vários clientes e eu anuía em silêncio. “Então não são vampiros os tipos que tiraram a linha da Lousã e agora nem há automotora nem Metro? E o novo Pediátrico que afinal vai ter uma maternidade e do hospital pediátrico previsto a ver vamos. Quanto à inauguração, será quando eles quiserem. Se não são vampiros, o que são? E querem acabar com o serviço nacional de saúde e a educação universais e gratuitos. E despedir de qualquer maneira. O que são eles, afinal?” Desanuviara-se o ambiente, com os clientes sorrindo, em unânime concordância. Ou quase. Apenas o par do fundo da sala continuava sorrindo, mas no namoro de dedos. Ele repetindo as carícias, dedo a dedo, correndo-os com os seus como se acariciasse todo o corpo dela e contava-os. “São cinco! Mas têm de ser seis, linda! Algum defeito hás-de ter.” E ela sorria, feliz. “Então são ou não são vampiros, digam lá! Diga lá o senhor – voltara-se para mim – que é pessoa de leituras. Diga!” E eu disse.
Numa mesa, sozinho, até então em silêncio, um velhote que bebia taças de vinho tinto deu em cantarolar: “No céu cinzento sob o astro mudo/batendo as asas pela noite calada/Vêm em bandos com pés de veludo/Chupar o sangue fresco da manada/Se alguém se engana com seu ar sisudo/E lhes franqueia as portas à chegada/Eles comem tudo, eles comem tudo/Eles comem tudo e não deixam nada.”
“Ouves a música? – perguntou-lhe ela. E ele respondeu-lhe sem parar de lhe amar os dedos: “São os vampiros!”

1 comentário:

Anónimo disse...

Reflexão exurbitante nesta página, visões como aqui está emotivam a quem visitar neste blogue .....
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