domingo, fevereiro 17, 2008

Dó Maior ou Dó Menor?!

Uma das grandes lacunas do Ensino Português prende-se com o facto de desvalorizar, quase por completo, o Ensino Artístico, mais concretamente o Ensino da Música. Esta lacuna tem atravessado sucessivos governos e traduz, sem dúvida, a incompetência e falta de sensibilidade no que toca a assuntos relacionados com a Educação. O Governo, e a população em geral, têm de perceber que aprender música não é um capricho, nem muito menos uma forma inconsequente de ocupação dos tempos livres. Aprender música é muito mais do que isso: é desenvolver o gosto e a sensibilidade, o espírito crítico e lógico, a criatividade e o saber estar, o rigor e disciplina.
Como se isso não bastasse, o Ministério da Educação decidiu, a bem da Generalização do Ensino da Música, deixar de financiar a Iniciação Musical nos Conservatórios (a alunos do 1º ciclo) e extinguir o Regime Supletivo (em que os alunos frequentam, a par do Conservatório, a Escola Oficial).
Quanto ao Ensino da Música no 1º ciclo, se, por um lado, sou a favor, na medida em que o desenvolvimento do gosto musical deve começar desde cedo; por outro lado, tenho perfeita consciência de que a forma como as aulas são ministradas não se adequa, de todo, às necessidades de um aluno que, por exemplo, se queira especializar em Música. Como alguns devem saber, muitos dos professores que leccionam Música no 1º ciclo, no âmbito das Actividades de Enriquecimento Curricular, nem sequer têm formação para isso. Além do mais, não me parece que aprender “O Balão do João” em flauta de bisel e acompanhar músicas infantis com pandeireta seja o melhor método educativo para um aluno que mostre uma grande aptidão para a Música. Essas aulas são importantes, sim, mas apenas para estabelecer um primeiro contacto com a Música. Quem se quiser aperfeiçoar nesta área necessita de outro tipo de aulas, as até então ministradas pelos Conservatórios.
No que à extinção do Regime Supletivo diz respeito, apetece-me fazer uma pergunta à Senhora Ministra: aos 10 anos já sabia o que queria ser quando fosse grande? É que a extinção do Regime Supletivo vai fazer com que um aluno, aos 10 anos, ao optar (obrigado) pelo Regime Integrado (formação geral e artística no Conservatório), já saiba, de antemão, que é da Música que quer viver.
Nada melhor do que acabar com as sábias palavras de um músico, que, espero eu, vos façam reflectir sobre tudo isto, o Maestro Vitorino de Almeida: “Num ponto sou incondicional – a Formação Musical tem de ser dada nos Conservatórios. O ensino a sério é especializado e só um número restrito de alunos chega até ele. Porque uma coisa é não se querer ser um ignorante musical, outra coisa é querer ser-se músico.”

18 comentários:

Nuno disse...

Palavras sábias, essas do Maestro Vitorino de Almeida que, mesmo não sendo o músico que mais aprecie, tem toda a razão naquilo que diz.

De facto, a educação em Portugal tem sido o cavalo de carga da incompetência (ou falta de conhecimentos de causa) dos ministros que a tutelam. A última machadada (certamente outras se seguirão até se destruir a floresta) foi isto que acabaste de escrever.

Tens toda a razão quando dizes que o ensino da música no ensino público não se adequa às necessidades e exigências dos alunos. Já no meu tempo (há quase 20 anos), grande parte da Educação Musical que se dava era tocar umas músicas da caca em flauta de bísel. Nessa altura, frequentava uma escola de música (onde estava a aprender a tocar guitarra clássica - mais vulgarmente conhecida por viola) e fiz questão de, em vez de tocar flauta, acompanhar os meus colegas com a viola. Era bastante mais interessante e fazia com que eu gostasse mais da música do que, provavelmente, os meus colegas.

São decisões destas que nos fazem perceber o desconhecimento total do que é ensinar/aprender música ou ensinar/aprender a tocar um instrumento. Talvez não saibam que a música não é só o Dó-Ré-Mi-Fá-Sol-Lá-Si...

Eu acho bem que se mude aquilo que está mal. O problema é que estas mudanças estão a ser feitas da pior maneira. Cortar a direito não me parece ser a solução mais adequada e delapidar o ensino da música desta maneira, de facto, parece um acorde de DÓ (aumentado)!

Beijitos,
Nuno.

Joana Pinto disse...

É bem verdade o que dizes, neste texto, seja em relação às directivas sobre os Conservatórios, seja em relação às AEC.

Pudim disse...

A Bárbara acha que os alunos de 1º ciclo são demasiado infantis para aprender "O Balão do João". Claro que sim... eu também sou da opinião que um miúdo de 7,8,9 anos deve iniciar a sua formação musical tocando em bisel a Quinta Sinfonia de Beethoven e na pandeireta deverá conseguir acompanhar na perfeição uma boa metalada de pedal duplo, género Cradle of Filth. Isto, claro está, para dar ao miúdo a verdadeira noção das potencialidades do mundo da música. O ensino artístico extra-curricular no 1º ciclo é hoje uma realidade, não só a nível da música como também das artes de expressão dramática. No 2º ciclo já era e vai passar a ter uma carga horária alargada, adquirindo ainda maior relevo na estrutura curricular deste nível de ensino.
Então mas não sentes que a generalização do programa de Enriquecimento Curricular do 1º Ciclo e agora o do 2º Ciclo vêm permitir que os miúdos entrem em contacto mais cedo com aquilo que dizes ser o gosto, sensibilidade, espírito crítico e lógico, criatividade, rigor e disciplina provenientes do ensino da música? Não sentes que fomentas isso nas tuas aulas? Ou preferias que não houvesse e eles, no tempo em que estão contigo, pura e simplesmente andassem a correr no recreio, todos contentes por terem mais uma tarde livre? Claro que existem lacunas e que as coisas nunca são perfeitas na medida em que as imaginamos, mas considero ser manifestamente injusto atacar as AECs pois é inegável que elas proporcionam a um número muito grande de crianças do nosso país um primeiro contacto com actividades e matérias (Música, Educação Física, Expressão Plástica e Artística, Inglês) cujo acesso, por questões sociais e económicas, só lhes é fornecido na escola. Como diz José Sócrates, só diz que é pouco quem sempre esteve habituado a ter mais. Para quem nunca teve... Mas é assim, como até tu costumas dizer, são estas políticas de "direita" que matam a escola pública.

Bárbara Quaresma disse...

Caro Pudim,
Tal como tu, também sou a favor das AEC'S, ainda que não estejam a funcionar da melhor maneira em todas as escolas. Ao contrário do que muitos professores pensam, acho que são fundamentais para o desenvolvimento de uma criança. Também acho que devem aprender "O Balão do João" na flauta de bisel... Aliás, eu própria lhes ensino.
Acho é que não percebeste bem o texto. A questão é muito simples: a senhora Ministra quer acabar com as aulas de Iniciação Musical nos Conservatórios, impedindo que alunos de idades compreendidas entre os 6/10 anos as possam frequentar. Ora, quem queira realmente estudar música a sério nessas idades, deixa de o poder fazer, uma vez que a Educação Musical no 1º ciclo não responde, de todo, às necessidades de quem quer estudar música. Mas tudo bem, os pais sempre podem recorrer a aulas particulares... Se calhar, é isso que o governo quer.

Bárbara Quaresma disse...

Sou completamente a favor das AEC'S... Mas das aulas de Educação Musical nos Conservatórios também. A linha do texto é muito simples: há alunos que precisam e têm o direito de ter um ensino mais especializado num Conservatório Público, ensino esse que as AEC's, por motivos de vária ordem, não lhes podem dar. Só não consegue perceber isso quem tem de, a todo o custo, defender o Governo em quem votou.

Pudim disse...

Ó Bárbara, também tu com essa conversa? Então mas as pessoas por defenderem uma linha de acção ou uma determinada corrente de pensamento têm necessariamente de estar a defender o governo em que votaram? Eu disse que, por estares contra uma medida da maioria, estavas a defender o teu voto no Bloco, no PCP ou seja lá em que partido é que tu votas?
Quanto à linha orientadora do teu texto, resta-me dizer que, na minha opinião, pecas por omissão, porque quem ler o que peremptoriamente afirmas sem conhecer tudo o resto, pensa que o Regime Supletivo será extinto pura e simplesmente porque sim. Convinha acrescentares que o grande objectivo desta reformulação é a promoção do ensino de 1º ciclo vocacional e especializado na rede de escolas públicas e também particulares e cooperativas, nos mesmos moldes em que funcionavam nos conservatórios. Parece-me uma medida realista e justa uma vez que procura garantir a uma esmagadora maioria a possibilidade de um ensino musical integrado no estabelecimento de ensino onde têm todas as outras disciplinas, garantindo uma melhor gestão do currículo, harmonizando a integração das aprendizagens musicais no dia-a-dia escolar. Importante será dizer que com a progressiva implementação desta medida, o número de alunos com real oportunidade de acesso ao ensino especializado da música aumenta exponencialmente, uma vez que, hoje em dia, as deslocações escola-casa-conservatório-casa, para além da sobrecarga atabalhoada em termos de gestão curricular, não permitia a todos a igualdade de oportunidades. Claro que os Conselhos Directivos dos Conservatórios afirmam que perderão mais de metade dos seus alunos e que terão de despedir um número elevado professores. Mas estão a falar apenas e só dos seus feudos. Esquecem-se e esqueces-te tu também, que o ensino especializado da música abrangia apenas uma ínfima parte dos alunos que podia deslocar-se aos Conservatórios e que, doravante, estará progressivamente disponível nas escolas de todo o país. Universalização e democratização do ensino musical, não te parece?

Bárbara Quaresma disse...

A mim parece-me realmente muito bem, mas apenas na teoria. Não acredito que as aulas de Música numa escola oficial possam seguir os mesmos moldes das do Conservatório. Mesmo com a boa vontade dos professores é impossível... E passo a enumerar-te alguns motivos:

1) o número elevado de alunos numa turma, e o facto de nem todos os alunos quererem aprender Música impede os outros de progredirem tal como num Conservatório

2) os alunos que vão para o Conservatório vão de livre e expontânea vontade, o que permite aos professores adoptar um ritmo de trabalho muito mais exigente

3) a música, tal como outra arte, exige do músico uma capacidade inata para a mesma, a chamada vocação, daí o facto de nem todas as pessoas serem músicos, actores, pintores, etc

4) todos os alunos têm o direito de aprender música, deixarem de ser, tal como o Maestro Vitorino de Almeida afirma, ignorantes musicais, mas nem todos conseguirão dar o tal salto para serem realmente músicos, porque é preciso jeito, o que vai impossibilitar adoptar aulas como as do Conservatório, prejudicando os que realmente têm vocação

Estes quatro pontos interligam-se, mas acho que são motivos mais que suficientes para não acreditar no sucesso destas medidas.

E só mais uma coisa, não percebo por que razão o Conservatório não pode continuar como está... Seria óptimo: aulas na Escola Oficial e no Conservatório (para quem quisesse).

Nuno disse...

Eu percebo o teu ponto de vista, Bárbara. E concordo contigo! Mas também compreendo e concordo com a posição do pudim. O problema nisto tudo é que, embora a ideia seja boa em teoria, vai falhar na sua aplicação prática.

Vai falhar, da mesma maneira que têm falhado as aulas de substituição. Embora a ideia da sua implementação fosse boa, na prática foi um desastre. E se aqui essa falha até pudesse ser colmatada mais tarde, numa aula normal e já na presença do professor da disciplina, neste caso do ensino da música isso já não vai acontecer. Ou seja, se o ensino da música falhar na escola, mesmo que os alunos queiram, já não vão ter onde aprender de uma forma mais aprofundada e mais próxima das suas exigências.

Acho bem que se ensine música na escola, mas não compreendo a ideia de acabar com as aulas de Iniciação Musical nos Conservatórios!

Anónimo disse...

Realmente o que este governo pretende é: quem tem meios, põe o filho a estudar no particular o tal estudo artístico...e quem não tem posses???
onde está a igualdade de direitos?
será que a Srª Ministra está a criar cada vez mais a diferenciação entre ricos e pobres?

J º º G disse...

Fica claro que o primeiro grande problema desta tentativa de reformulação do ensino especializado é exactamente a falta de clareza. Falta de clareza de conceitos, falta de clareza na estratégia, falta de clareza nas verdadeiras intenções.

Começa por se confundir o básico: ensino especializado e ensino generalizado. Só quem nunca teve contacto com o ensino do 1º ciclo do Conservatório pode pensar que tal se assemelha às aulas de música dadas nas ditas AEC. O espírito é diferente, os objectivos são diferentes, as exigências, como já foi referido, são diferentes...

Desçamos por um momento à terra, mais concretamente a Coimbra. O que a iluminada da ministra propõe é: acabar com o 1º ciclo, acabar com o supletivo, passar para o ensino integrado da música sendo que a escola “parceira” seria a escola secundária da Pedrulha. Ou seja, os alunos que pretendessem, por seu entendimento ou dos pais, seguirem a aprendizagem da música, passariam a ter as restantes aulas, em regime integrado, na escola sec. da Pedrulha.

O que propõe o Conservatório de Coimbra: manter o regime supletivo no 1º ciclo, eleger como escola “parceira” a escola sec. Alice Gouveia (Casa Branca) para o regime integrado, promover o regime articulado, nomeadamente introduzindo uma nova variável: a distância ao Conservatório.

Ou seja, assumindo que uma criança na idade do 1º e 2º ciclo depende dos pais nas opções que possa ter de tomar e que estes terão para ele um projecto educativo, este passa a ficar absolutamente asfixiado numa camisa de forças que outra coisa não trará que conflitos. “Por que diabo deverão os nossos filhos ter de estudar da esc. Sec. da Pedrulha se o projecto educativo que temos para eles passa por outro liceu”. “E por que razão temos de abrir mão da aprendizagem de disciplinas de ciências, como se passa actualmente com o ensino integrado em Braga, confinando-se os alunos a uma saída para o ramo de Letras, numa fase em que dificilmente se pode pedir essa definição vocacional. Estas são só algumas das questões práticas que se estão a colocar aos pais que assumiram fazer um esforço extra para proporcionar aos seus educandos um ensino especializado de música que se está a querer transformar em generalidade. E sublinhe-se que quando falo em esforço extra refiro-me a tempo, disponibilidade, dos pais e a do aluno, esforço esse que é compensado pela satisfação, pelo preenchimento de uma vocação, de uma “arte” que é tão especial.

Outro dos falsos factos que se apregoam relaciona-se com quem frequenta o Conservatório. Os que vivem ali ao lado, dizem. Não corresponde à verdade e revela um óbvio desconhecimento dos factos. No caso de Coimbra, o conservatório é frequentado por um universo de alunos 60% dos quais vive fora da coroa urbana de Coimbra (dados do Conservatório). E não se está a falar de 5 ou 10 km, está a falar-se de alunos de Arganil, de Coja, de Montemor, etc. Está a falar-se de alunos que tocam em Bandas Filarmónicas, alunos altamente motivados e exigentes que, convenhamos, pouco terão a aprender nas tais AEC.

Para terminar, refiro só que quando se fala em ensino especializado deve entender-se de facto como tal, especialização essa que se pode ilustrar com o facto, por exemplo, de em Portugal só existirem 2 professores de Harpa (…poucos para ajudar a ensinar a cantar o João do Balão!)

Estou contra o ensino de música nas AEC? Obviamente que não. Nem esta questão faz qualquer sentido. O que me preocupa é que haja pessoas que julguem que tudo o que não é “rentável” em termos imediatos deva ser fechado. E o que mais me preocupa ainda é saber que essas pessoas são as que no momento detêm o poder de decisão.

Entristece-me imaginar Coimbra sem um Conservatório de Música, porque é o que vai acontecer se não houver turmas para o regime integrado, e entristece-me saber que culturalmente estaremos a dar um tremendo passo atrás!

Nuno disse...

J Geria, faz todo o sentido aquilo que diz. Subscrevo na íntegra, se é que me permite.

Anónimo disse...

Bárbara nas sem barbaridades. Concordo. Beijoca.

Klatuu o embuçado disse...

Há algo crucial que, nestas reflexões queixosas, ainda não ouvi e que seria o sintoma de que alguém conseguiria pensar um pouco mais profundo: tudo o que se está a passar de errado com este Governo mais não é do que a consequência de três décadas de populismo da Esquerda!

Este populismo é o mesmo que, a seguir ao 25 de Abril, destruiu em muitos clubes o desporto de alta competição, para o substituir por um «desporto para todos». Com a Revolução passou a constar da cartilha do bem pensante luso uma série de abstrusidades anacrónicas que plebeizaram a cultura neste País. Este Governo é constituído por tecnocratas incompetentes que, no fundo, não encontram necessidade em formar musicalmente este povo, ainda que, num arroubo de intelectual saloio, considerem facilmente a importância fundamental da música, ou seja, a música não é para todos mas sim para um escol de eleitos, bafejados pelo talento ou por um privilégio social de classe! O povo, os seus filhos, precisam é de cursos técnicos, etc!

O Maestro Vitorino de Almeida, pessoa que muito respeito, enquanto homem de cultura, deveria ser o primeiro a abrir a boca para dizer esta verdade de fundo... porque durante décadas andou a cantar «música gauche», que tanto jeito lhe deu, socialmente e não só... e «queixinhas» podemos fazer todos!

O maniqueísmo, estreito e inculto, dos bem pensantes esquerdistas, que acham o máximo as meninas pastilhadas que cospem fogo, defendem os golfinhos e acham o aborto equivalente a mudar de penso... sempre achou, por exemplo, Fernando Pessoa, ou Teixeira de Pascoaes, suspeitos! É sintomático: o seu país nunca foi bem este, mas sim um internacionalismo totalitário, em que se é músico só por trautear A Internacional no duche.

Klatuu o embuçado disse...

P. S. Espero que lhe assista, ao ler, mais a coragem que o intelecto e a cultura, porque, tal como o Maestro, eu não canto, não com a voz... não trauteio é que o que é politicamente correcto, que foi o que ele - e muitos outros da sua geração - andaram a fazer estes 34 anos!

Klatuu o embuçado disse...

Errata: leia é o que é.

Klatuu o embuçado disse...

Um Convite.

Joaninha disse...

Bárbara, intrometo-me como quem não quer a coisa para deixar um beijinho e desejar que tudo esteja a correr pelo melhor!:)))

Barbara disse...

Tens um desafio no meu blog =)